sábado, 1 de março de 2008

O dia em que eu não estava lá

Ele estava nervoso. Gravata apertando o gogó, sapato novo arranhando o calcanhar, gravata levemente torta e aquele frio na barriga que precede momentos decisivos. Quase antecipo a profusão de tiradas sem graça que deve ter feito para amenizar o nervosismo. Não seria ele se não as fizesse. Ela tampouco estava calma. Quase não comeu nada durante o dia, ficou em dúvida com o penteado - mas depois tranquilizou-se -, analisou mil vezes o vestido pendurado na porta do armário para pegar mais um ar e soltou uma dezena de vezes aquela risada única - foi sua tática para acalmar as borboletas na barriga. No espaço destinado aos degraus do altar que não havia, ele batucava o pé impaciente. Nos bastidores, ela desfolhava o buquê enquanto esperava a hora de entrar. Fingia aquele misto de calma e segurança, é certo, mas estava uma pilha. A cerimônia começa. No caminho até o altar sem igreja rostos conhecidos, sorrisos verdadeiros, olhos marejados. Ela se esforça para não chorar. Ele faz de tudo para se conter. Ambos conseguem, seus pais não. Queriam uma cerimônia diferente. Mas, no final, casamento é casamento, não importa os detalhes inéditos. A troca de alianças, as frases de amor eterno, o sim e o beijo final acabam deixando casamento com cara de... casamento - seja no sertão ou NY, na favela ou no castelo. A festa, essa sim, é que pode, e pôde, fazer a tal diferença. As bandejas revelavam, finalmente, os quitutes guardados como segredo de estado. O casal, agora oficial, quis logo decretar que a festa podia começar, sem a lenga lenga dos trâmites costumeiros, e começou a dançar - para desespero da mãe da noiva, que prefere o tradicional. Ao invés do mesa a mesa, foram de roda em roda saudando os convivas. Nas mais animadas, abraçavam-se todos e pulavam em um grande círculo - ok, ok, isso já foi lá pelo meio para o final, quando já estavam de havaianas, alguns com a gravata querendo ir para a cabeça, cena bizarra, mas decreto máximo de que a festa está boa. Na passagem para o corte da gravata, ela resignou-se em torcer para que os amigos do noivo, ou melhor, marido, não dessem tanto vexame. É, foi daquelas festas que os amigos comentam anos depois. Daquelas que se tornam marco de referência. Depois dela, vai haver pior que ela e melhor que ela - o que acredito difícil. Umas cinco da manhã, poucos sobreviventes, os dois dançam no meio do salão, os pés doem, estão cansados, um pouco bêbados - mentira, muito bêbados -, rostos colados, trocam aquele olhar que não exige palavras, ela aperta o rosto dele com as duas mãos - ou cutuca a não barriga que ele julga proeminente? Não estou bem certo -, eles se abraçam e prosseguem a dança de uma vida, agora oficialmente juntos. Foi assim que foi. Foi assim que seria. Quase aposto nisso. Só não dou certeza plena pois esse foi o dia em que eu não estava lá.


Diogo e Giu. Vocês sabem o peso no coração que me dá não estar aí hoje. É como faltar ao casamento de um irmão, porque vocês são mais que melhores amigos. Escrevi este post nessa hora porque deve ser o momento em que vocês devem estar casando. É minha maneira de estar aí com vocês.

6 comentários:

Malu disse...

Que lindo, Dudu. Tenho certeza que eles vão adorar!
Beijos.

Carline :) disse...

Um grande abraço a você e aos queridos recém-casados, que desejo muitas e muitas felicidades.

Camila disse...

Até me arrepiei, Dudu!
Carli me contou do teu blog hoje. Vou passar aqui de vez em quando para ver o que aprontas em Madri.
Beijão,
Camila Manfredini

Diogo Schelp disse...

"a dança de uma vida"... Dudu, até parece que você sabia do discurso do Mathias. Depois te conto... Abração, Diogo

Giuliana Bergamo disse...

Puxa, Dudu. Agora vc sacaneou. Arrancou as lágrimas que eu me esforcei tanto pra segurar (quase em vão, mas fiz bonito, viu!?) no dia do casamento.
Você faz falta. Mas acho que estava mais presente lá do que a gente imaginava.
Beijo enorme,
Giu

Bel disse...

Poxa, Dudu, como faço para disfarçar a cara de choro no meio da redação? Que bonito! Se não me falha a memória, ou a câmera, posso apostar que existe a foto que você descreve na cena final, a Giu segurando o rosto do Diogo entre as mãos, com aquela carinha de sapeca, língua de fora e tudo. Vou procurar. Beijo grande para você, Bel