O bilhete comprado dizia: DECK. Era o mais barato, óbvio. Confesso que a idéia de dormir ao relento no deque de um ferry boat dava orgulho ao meu sangue mochileiro. Bah! Não sou um turista
pijo que compra cabine ou os tais "airport seat". Somos mochileiros, pô!
Qué venga el deck! Ancona (Itália) - Patras (Grécia). 25 horas de viagem. Nossa estréia em ferry boat. Marinheiros de primeira viagem, entramos no monstro de lata e seguimos as ordens dos guardinhas do navio que nos olhavam com cara de nojo e mandavam subir e subir e subir os seis andares, passar pelos corredores acarpetados, vislumbrar os bares e restaurantes pelo caminho até abrir uma porta e sentir o vento na cara e o cheiro de óleo queimado: eis o deque. A cena é insólita. Mochileiros de todas as estipes correndo contra o tempo para estender seu saco de dormir no canto que vai chamar de seu - e ninguém tasca! - nas próximas 25 horas. A regra é "reservar" seu espaço, de preferência onde haja uma "cobertura" qualquer. Vai que chove no meio da noite? Encontramos um banco de madeira em forma de meia lua, embaixo de um teto, com vista para a piscina: é nosso! Estávamos crentes que éramos os reis supremos do deque, os melhores, os mais espertos. Nossa ilusão durou mais ou menos uma hora, quando decidimos que o lugar estava assegurado contra
okupas e podíamos circular pelo navio. Quando entramos, vimos o quão principiantes éramos. Todos os corredores internos estavam lotados de mochileiros "profissionais". Sim, eles sabiam que a regra é a seguinte: quem tem o bilhete DECK pode dormir em qualquer lugar, qualquer mesmo, desde que não atravanque o caminho. Vale corredor, vale debaixo da escada, valem os confortáveis sofás do restaurante ou do bar. É um vale tudo. Dentro faz um frio de lascar, mas está livre do cheiro de óleo, das mudanças climáticas repentinas e do barulho do motor.
Bueno, vencidos pela preguiça de desfazer nosso cafofo no teto do navio, ficamos por lá. Nem foi tão mal quanto prevíamos. Mesmo os pobres podem defrutar do bar, da boate, do restaurante, das lojinhas, do cassino, do banheiro com água quente, das TVs, da piscina. Como
niños perdidos em uma loja de briquedos, nem sentimos as 25 horas. Ok, ok, a noite foi meio dura com o vento açoitando a cara, com a porta se abrindo e trazendo a brisa de freezer do interior do navio, com a família de sérvios (PS.: I hate Sérvia, de onde fui deportado) tomando todas do nosso lado, com o colchão de madeira, tendo que se equilibrar em um banco com uns 50 centímetros de largura... Mas, enfim, podia riscar da caderneta de "coisas para fazer antes de morrer" o tópico "dormir do deque de um navio". Abaixo, umas fotos deste e de outros deques da mesma viagem (sim, foram 5 ferrys no total).
Os "reis do deque" no ferry entre Ancona (Itália) e Patras (Grécia). Marinheiros de primeira viagem, nem sabíamos o paraíso mochileiro que se escondia nos corredores internos. Esse era trash! Entre Atenas e Santorini, na Grécia. Cheiro de óleo queimado e esses bancos FDP para dormir. Não, nesse ferry não rolava compartimento interno. Mas a viagem durava apenas umas doze horas. Agora, sim, eu já era um profissional! No ferry entre Santorini e Atenas descolei essa suíte de luxo, num corredor "sem saída" do lado da escada. Ah! Detalhe para o acessório imprescindível: máscara de dormir. No início meus amigos tiravam sarro, no final da viagem todos tinham a sua. No mesmo ferry (Santorini-Atenas), a ala feminina. No canto esquerdo Maria, uma brasileira que encontramos por lá. No canto direito Vanessa, mexicana com quem eu estava viajando. No meio as duas gregas que já estavam acampandas ali quando chegamos. O ferry mais "luxo", entre Patras (Grécia) e Bari (Itália), com direito a vidros que barravam o vento. Porém, como era um ferry super novo, já estava adaptado com um design "anti-pobres-mochileiros". Simplesmente não tinha corredor onde dormir sem atrapalhar o trânsito! Mesmo assim era clean, perfeito, silencioso, praticamente vazio... até.... as duas da manhã, quando parou em um porto e entraram dezenas e dezenas de famílias do leste europeu e dominaram todo o deque com seus jogos de cartas, tupewares de pepino, crianças berrentas, roncos e afins.
Um comentário:
hahahahahahaha
Passei pela mesma situação no navio entre Dubrovnik (Croácia) e Bari (Itália). Dormimos dentro de um bar que parecia cabaré!
Abraço e boas aventuras!
CACO
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